sábado, 29 de dezembro de 2007

O amor de Amado Serafim


Serafim mora num prédio modesto de cinco andares, com vista para uma avenida que segue para outra cidade. Seu quarto é pequeno e tem uma janela que dá para o nascente. Como a maioria dos solteiros ele é desorganizado. Roupas sujas misturadas com roupas limpas, louças a lavar, cama a fazer etc.



Seus vizinhos costumam ser frios. Quando muito dão bom dia. Serafim diz que deseja parar de fumar porque todos os dias sobe e desce aproximadamente cem degraus. Também o desempenho sexual piora a cada nova carteira de cigarros. Realmente é um bom motivo, pois, uma amante que se preze gosta de homem vigoroso que a faça sentir prazer e paradoxalmente dor.


Serafim diz que o amor é a ideologia do sexo. Diz ainda que o amor é um sentimento fantasiado pelas pessoas para se justificar o desejo de transar sem que haja encargo de consciência. O amor é o motivo pelo qual os alienados precisam pra fazer sexo sem peso. O amor é uma doença emocional. Ainda mais, é uma fantasia que porquanto o capital for deus, será imortal. O amor é consumista e gera capital. Data disso, dia daquilo. Presentes e mais presentes. Quem é que quer o fim do amor? Empresários? Políticos? Religiosos? A lei? Crimes são justificados pelo amor, almas são aprisionadas pelo amor, pessoas são manipuladas pelo amor e o comércio se beneficia do amor. No fim das contas tudo é amor. Tudo é uma fantasia. E para Serafim, o amor é uma doença.


Serafim diz que a frieza do amor não compete com a fervura de seu coração. Serafim é gentil e romântico. É bom companheiro e cozinha bem. Tem boa aparência e remuneração, além do que, sabe como agradar uma mulher. Manda flores, dá presentes, não fantasia o sexo, faz por desejo e por sacanagem. Faz sexo por prazer, como se fosse meramente animal. Faz com e sem camizinha.


Amado Serafim tem uma doença incurável e usa calmantes para dormir. Gosta de arte e sonha em se curar. Mas sabe que será difícil. Doenças, principalmente as incuráveis, também geram capital; e é muito melhor, interessante e vantajoso para o amor serem desenvolvidos cosméticos do que a cura de doenças incuráveis. Mas Serafim acredita e tem fé. Serafim transita pelas ruas e deseja a mulher ideal. Sonha com a vitória e permanece na fantasia que lhe ampara nos braços das amantes e na inevitável desventura deste que lhe é o amor.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Falta de memória às vezes faz bem


Caía uma daquelas chuvas torrenciais de final de ano em Brasília e o trânsito na capital estava como sempre, muito congestionado. Voltava para casa depois de um dia cheio no trabalho quando recebi um telefonema a cobrar muito estranho.


- Boa noite, quem fala?


- Gostaria de falar com quem.


- Meu nome é Valter e sou sargento do bombeiro. Estou diante de um acidente de carro e encontrei seu número em um telefone celular aqui.


Fiquei tenso.


- Você tem algum parente com carro? Perguntou o suposto bombeiro.


- Sim, tenho.


- Pode me dizer o nome dele pra eu confirmar? Tem alguns documentos espalhados por aqui.


As coisas pareciam mais sérias do que eu imaginava.


- Meu irmão, o nome dele é Eduardo e tem um Corsa branco. Respondi.


- É Palio, retrucou minha mulher que estava comigo no carro.


- Não, não. É Palio! Corrigi.


- Olha o negócio é o seguinte (disse o tal bombeiro com a voz diferente), você está sozinho?


- Não!


- Então vá para um lugar reservado que eu vou te dizer uma coisa.


- Pode falar. Respondi já esperando o pior.


- Isso aqui é um seqüestro e se você não fazer o que eu mandar vou matar o seu irmão.


O desespero me consumiu e fiquei apavorado. Jamais imaginaria ter alguém da família seqüestrado, já que sou de uma família de classe média e sem muito poder de consumo.


- Calma, calma... O que você quer?


- Se não fizer o que eu mandar vou meter uma bala na cabeça do seu irmão e depois vamos tocar fogo nesse Corsa com ele dentro.


O meu pouco interesse em modelos de carros e aquilo que imaginei falta de memória do seqüestrador coincidiram.


- E aí? Vai fazê o que eu mandar? Disse o seqüestrador em tom ameaçador.


- Vamos tocar fogo nessa merda, cara. Anda logo, responde.


- São quantas portas? Perguntei.


- Você tá loco, cara. To aqui com um revólver apontado pra cabeça desse arrombado e você com esse papo de quantas portas? Faz o que eu tô mandando se não vou matar esse escroto.


- Deixa eu falar com ele?


- Porra nenhuma. Faz o que eu to mandando.


- Deixa eu falar com ele?


- É o caralho vou mata esse arrombado.


Insisti em ouvir a voz do meu irmão, mas o bandido estava irredutível. Obviamente o leitor já deve ter descoberto o por quê.


- Se você não deixar eu falar com ele vou desligar o telefone agora.


- Já falei, vou botar fogo nesse Corsa com seu irmão dentro.


Foi a gota d’água. Desliguei o telefone e como não tenho decorado o telefone de ninguém fui buscar o número na agenda do celular. Enquanto isso o maldito retornou a chamada “não identificada”. Desliguei novamente e enfim consegui completar a ligação.


- Alô, Duda?


- Oi, que é?


- Tá tudo bem?


- Não, tô com uma dor de cabeça miserável.